sábado, 8 de novembro de 2014

#2 - Peixe, Nada

O peixe estava sufocando. Não de repente, claro. Mas quando ele se deu conta de toda a poluição ao seu redor, naquele tempo passado considerado o seu habitat perfeito, só restava uma possibilidade: pedir aos céus uma intervenção do além, já que por si só (embora talvez de modo equivocado) ele considerava não ser possível sair daquele rio. Estava condenado à morte e já se sentia assim, morto.

Mas não é que aconteceu?

Numa noite, um tornado? Tempestade? Tufão? Tsunami?
Talvez uma mescla de todos estes fenômenos da natureza.

O peixe finalmente estava livre do rio, daquele rio. 

Mas, peixe precisa de rio. E no meio daquela escuridão o peixe se sentia na água, óbvio, ou já teria morrido. Apenas não sabia ainda que águas eram aquelas. E se eram aquelas as águas em que deveria habitar. 

De repente ele tinha a possibilidade (mesmo que nunca se tenha sentido livre para isso) de escolher. 

Como escolher?
O que escolher?
Por que escolher?

Um critério havia. Ponto inegociável: as águas não poderiam ter poluição, não aquele nível que anteriormente o sufocava e as regras do rio precisavam ser diferentes. Como? O peixe não sabia, apenas precisavam ser diferentes.

Muitas dúvidas e a certeza única, companhia constante do peixe - PEIXE, NADA.

O peixe se rebate, rebate, rebate. E ele cansa. Será?

Há vezes em que parece ter morrido. 

O peixe precisa decidir. Ele sabe: ou aprende a ser espectador ou reaprende a nadar , ali mesmo naquelas águas ou precisa achar outras águas que ateste limpas, onde nadar. Do contrário, morrerá, talvez não dos efeitos da poluição anterior, a não ser a inevitável contaminação ainda presente no seu interior - da qual é impossível livrar-se assim, de modo tão breve (considera, o peixe, terá que se tratar até o fim dos seus dias).

E o peixe se rebate, rebate, rebate. 
Morrerá pelo julgo da inadequação, pelo sufoco do que sonha pro seu rio não percebido ali, pelo medo de assumir: Peixe, nada.

Ah, essa incômoda sensação da necessidade de ser e não apenas pertencer e de não saber afinal o que se dá e porque a sua maestria, naquelas águas parecia tão inútil agora.

O peixe volta a tentar nadar, mas só se rebate, rebate, rebate.

Peixe nada, essa é a sua natureza. Se não nada, peixe morre ou é pego pra prisão de algum aquário, mas no fim ele só se rebate, rebate, rebate.

Suas guelras ainda estão coloradas, pela força de teimosia ou, como diriam alguns, vocação de nadar contra a maré. No fundo, bem no fundo das suas agora rasas convicções, o peixe sabe, não conseguirá se rebater por muito tempo. O peixe sabe mais, o rio é diverso e seja limpo ou poluído, peixe não vive sozinho, ele precisa de um cardume e sabe também, sejam quais forem as águas em que estiver, haverá predadores. Aliás, talvez seja este peixe, inclusive, um predador e por isso o seu medo de se decidir porque ele se admite peixe (e não poderia ser diferente), mas não se permite ou não se deseja, predador porque este peixe pode escolher não ser predador e não se permitirá ser.

O peixe acha que é duro ser peixe e se rebate, rebate, rebate. Mas ele é peixe e não há nada que possa fazer para mudar isso.

Peixe só tem um caminho: nada.